Certa vez, houve um grande desentendimento na floresta. O mico leão dourado gritou uma informação para a cotia, que passou para o urubu, que transmitiu para o sapo boi, que coaxou no ouvido da jaguatirica que miou bem forte para a capivara até chegar no bicho mais sábio da Mata Atlântica.
O bicho, que tinha cara de inteligente, plumas lindas ao redor dos olhos fazendo círculos como óculos naturais, mal se abalou com o papo. Tirou os dois olhos grandes e redondos do seu jornal feito da casca seca de palmito, observou bem aquela cambada de animal que só sabia compartilhar notícia falsa e voltou a ler.
- Ei você não viu a última da onça pintada, não? Vai ficar com pose de intelectual aí de cima e ignorar? – latiu o cachorro do mato ao mesmo tempo em que raspava a pata traseira em um monte de folha seca.
- Você devia ler mais?
- Ler jornal, coruja? Ler esses comprados da mídia da Mata Atlântica? Terra News e seus jacarés de papo amarelo de camisa polo azul ou o Ipê Notícias e seus sapos cururus de termo e gravata apresentando suas notícias tendenciosas em cima das suas vitórias régias?
- Leia sempre um de cada canto da floresta. Simples assim.
- Tá bom, me engana que eu gosto. Pensa que não notei que você só fica em galho do lado esquerdo das árvores.
- Ora, ora, mais essa, que ignorância. Leia cachorro, é o melhor que tem a fazer.
- Pois eu vou te falar. Houve fraude na eleição da onça. Isso mesmo, fraude. Ninguém confia no sistema de voto rápido dos coelhos e na conferência das formigas cortadeiras.
- Lá vem. Sei, cachorro, o velho papo furado dos votos.
- Descobriram que muito voto caiu no caminho enquanto aqueles coelhos destrambelhados os carregavam e, pior, muitas cédulas se transformaram em picadinhos pelas cortadeiras, antes da contagem.
- Os votos que foram dados têm igual número dos contados, deixa de ser doido. Acho que você virou um cachorro louco. Só pode.
- Você acredita? Ingênuo. A anta ganhou, só não vê quem não quer ver. A onça velha fraudou a apuração.
Após uma rosnada que mais parecia um relincho, o cachorro disse que iria até a cobra conversar, ao que recebeu imediata advertência.
- Não faça isso! Será que não leu nadinha da ferocidade atual do réptil?
- Coruja, coruja, você deveria abandonar esse hábito de cultura, essa coisa ultrapassada de leitura. Eu conheço a peçonhenta. Esse papo dela ser feroz é tudo invenção dos jornais.
Duas horas mais tarde...
A anta surge liderando um bando enfurecido de animais, contando com a ajuda de seus assessores mico leões, que guincham palavras de ordem no topo de cada árvore. Em certo ponto todos param e fazem silêncio para o pesado animal se pronunciar.
- Olha ela ali, a safada do galho esquerdo. Foi ela que mandou o cachorro ir se consultar com a cobra, não foi? Vejam o que aconteceu. Pobre cachorro, mais uma vítima desse regime sangrento.
- Morte à coruja, morte à coruja, morte à coruja – cantavam agora em coro os animais revoltados.
A coruja catou seus jornais e livros e simplesmente voou para a mata verde que se situava pouco depois da Serra do Mar. Quando alçava voo, ainda teve tempo de escutar gracejos como “vai para o canto dos ipês vermelhos, bicho metido.”
Já no seu destino, avistou um enorme jequitibá – rosa e fez dele moradia. Tranquilamente, abriu os jornais de ontem e releu a notícia principal. "Cobra é vista faminta e extremamente feroz após perder a hora de acordar da hibernação por mais de três meses".
- É...de fato a cultura salva vidas. VITOR LEAL
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