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vitorleal7

BIBI RI BIBI

- Oi Clarinha, meus sentimentos. Puxa vida, você perdeu um parceirão. Que Deus ilumine seu coração para compreender e aceitar esse momento.


- Eu sei, obrigado. Dona Maria está sentindo mais.


- Clara Fontes, meu carinho para sua nobre pessoa, nesse momento tão delicado, onde a sala se esvazia, de inopino.


- Agradecida. Veja só a Dona Maria, envolvida em uma nuvem de desolação!


Naquela sala cheia de conhecidos sem nada a acrescentar, a sogra fazia-se presente por seu choro agudo, quase lírico, trazendo as pessoas mais na direção dela do que do próprio defunto. Clarinha, por seu turno, ajudava naquela concentração, indicava a sogra como ponto de referência aos convidados para, justamente, não cruzar seu olho com o da velha.


O corpo foi esfriando mais e os espaços entre Clarinha e a velha menos congestionados pelos convidados. Nesse meio tempo, recebeu um olhar fulminante para sua barriga, quase um raio laser. Desviou, mirando naquela janela alta no lado esquerdo da grande sala.


A cabeça grande verde, mais de quarenta centímetros de altura e os olhos negros em forma de ovos de avestruz encaravam-na com doçura. Ocasião em que a vendo aflita, fez sinal de coração com aquelas mãos de apenas três dedos.


Em resposta, alisou a barriga proeminente e balançou o corpo com suavidade três ou quatro vezes para os lados, com olhar amoroso.


Na distração que só a paixão traz, só deu tempo de sentir o deslocamento de ar antes da chegada da velha que, com aquela boca cheia de pregas, procura logo o ouvido de Clarinha.


- Sua vaquinha, respeite o morto ao menos. Do contrário vou denunciar a todas as autoridades o absurdo que você está vivendo.


- Calma, Dona Maria, a senhora acha que sabe, mas não sabe de tudo.


- “Bibi ri bibi. Bibi ri bibi. Bibibibibibibi. Hãm, hãm, hãm, vem meu verdinho, vem, me leva para outro planeta”. Ouvi tudo sua megera, eu estava atrás da porta escutando.


Como um relâmpago, o verdinho da cabeça enorme e olhos de ovo de avestruz pousa no meio do velório, posta-se ao lado do morto, acaricia sua face, com o dedo indicador molda o cabelo, ajeitando-o para uma melhor aparência para, ao fim, sacar-lhe um beijo na boca, provocando alarde e repulsa nos convidados.


Dona Maria não se intimida e parte em sua direção com o guarda-chuva preto de bolinhas brancas, ocasião em que é atingida por um raio paralisante e fica ali, como um peru congelado.


- Bibi ri bibi. Bibi ri bibi.


Com seus sons chamando a atenção de todos, o verdinho pousa uma das mãos na barriga proeminente de Clarinha e outra no peito do morto. Em tom solene, passa a usar seu estoque de palavras terrenas para o discurso fúnebre.


- Obrigado Cláudio. Lamento sua morte naquele dia em que transávamos nós três. Meu gozo elétrico que o matou, gerou vida em Clarinha. Cada humano reage de um jeito, meu amor. Viva os que nascem para substituir os que morrem! Bibi ri bibi. Bibi ri bibi.


VITOR LEAL

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